Outrora, fora a mercearia do avô Artur — um homem meigo, nascido localmente, que deixara muitas saudades — e da avó Piedade, “a rosa do deserto”, como a chamava o avô Artur. Segundo ele, naquela terra antes árida e nos arredores (e em todo o planeta, nas noites em que o vinho ajudava no efeito romântico), não existia mulher mais bela do que a sua amada. A avó Piedade refilava sempre com as declarações românticas do avô Artur, mas, assim que se retirava da sua presença, sorria timidamente, sentindo-se como uma jovem garota apaixonada.
As férias de verão eram passadas com os avós. Ayla e Júlio ajudavam-nos nos afazeres da mercearia e da casa. Ao final da tarde, acompanhavam-nos até à horta, nas regas que eram sempre o ponto alto dos dias. Ayla e Júlio colocavam os pés descalços nos canais que os avós faziam no terreno para a água chegar às plantações. Assim que o avô ligava a bomba d'água, surgia um reboliço de água com terra que fazia ambos fugirem à gargalhada, enquanto sentiam aquele lamaçal envolver-lhes os pés.
Ao fim de semana, iam até à praia do Baleal. A avó Piedade era mais rigorosa nas suas vigílias marítimas do que os próprios nadadores-salvadores.
- Ayla, não vás tão fundo! Volta para cá! Júlio, não sigas a tua irmã! - gritava sempre, ao mínimo centímetro que notasse movido para longe da sua miragem.
- Francamente, Artur, consegues ser pior que os miúdos!
- Calma, querida! Eles sabem nadar e não estão tão longe assim... Eu estou perto deles! - acenava o avô Artur com o braço estendido, tentando acalmar o coração frágil da sua Piedade.
- Tu sabes que as correntes podem ser fortes. Venham mais para a beira, por favor!
- Oh, Piedade, tem piedade, por favor... - dizia o avô Artur, num tom brincalhão, para tentar amenizar a preocupação da sua companheira de vida - o que acabava por surtir o efeito contrário.
Ayla recordava sempre com muito carinho e saudade esses momentos com os avós. Era difícil lembrar-se sem que o coração ficasse apertado. Tinham partido há seis anos - primeiro a avó, com uma terrível pneumonia mal curada, e depois o avô Artur, com o coração partido.
O avô Artur dizia sempre que, se uma mulher não conseguisse fazer um homem sentir-se como um tolo invencível, então não era amor de verdade.
- O amor de uma mulher faz-te sentir capaz de lutar por tudo. Não importa qual o desafio, se ela estiver ao teu lado, tu desejas lutar até ao fim.
Ayla e Júlio ficavam sempre pasmados com as declarações românticas tão firmes do avô Artur. Sabiam que a avó Piedade era essa mulher para ele. E isso ficou ainda mais confirmado quando ela partiu, ao verem o seu avô Artur sentir-se incapaz de vencer a dor da perda e da solidão.


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