- Chegaste a essa conclusão toda depois de uma simples caminhada matinal?! — perguntou Laura sentando-se ao lado de Ayla, após ouvir o seu desabafo no terraço.
- Não achas que faça sentido?
- Nem sei o que pensar ao certo sobre o que acabaste de me dizer. Para ser sincera... Como assim tu achas...?
- É o que eu te estou a dizer: talvez, se eu retomasse a minha tese congelada, conseguiria ter mais estabilidade do que tenho agora... — disse Ayla, meio atrapalhada, sentindo o calor dos degraus aquecer-lhe as pernas, onde permanecia sentada.
- Sim, mas... tu odiavas aquilo! Foi terrível ver-te a definhar naquele lugar deplorável, onde só te faziam acreditar que não eras boa o suficiente...
- Verdade. Mas o que é que eu faço? Parece que nunca consigo avançar o suficiente até alcançar o que sonho...
- Entendo o que dizes, juro que entendo, Ayla. Mas achas que é mesmo esse o caminho?
- Talvez... Sei lá... Agora, falando em voz alta, fiquei ainda mais confusa...
- E aquele concurso de fotografia de que me tinhas falado? Tinhas tido que irias concorrer! Tu tens fotografias lindas de tantos lugares... Era uma pena não partilhares isso com o mundo!
Laura era uma mulher com o dom de segurar as pessoas nas mãos quando se perdiam de si mesmas. Estava sempre pronta para ajudar o próximo e para chamar à razão quando fosse necessário. Amiga de infância de Ayla. Cresceram juntas e não existia ninguém que a conhecesse melhor. Brincavam ao dizer uma à outra, que os seus futuros maridos não iriam aguentá-las juntas.
- Sim, vou. Isso nem sequer está em questão! Não tenho expectativas, mas, se não tentar, também não saberei se consigo...
- Quando terás de apresentar a candidatura?
- Até ao fim deste mês. Ainda estou a escolher qual foto irei submeter para a candidatura.
Para Ayla, todas as suas fotografias poderiam ser melhores. Síndrome de perfecionista, diziam. Mas estava confiante a ponto de expor a sua arte num concurso internacional, ainda que não fosse escolhida entre os candidatos.
- Aff, Ayla, falta somente uma semana e ainda não escolheste?! Queres ajuda? — Laura conhecia bem aquele tom. Era somente o perfecionismo da amiga a falar mais alto.
- Não, não. Eu preciso de olhar melhor, com calma, e farei a candidatura ainda hoje, prometo!
- Antes da meia-noite, se faz favor! Senão assalto o teu pc e envio eu mesma, entendido?
- Está bem, está bem... E tu? O que aconteceu para vires aqui à hora do almoço? Pensava que estavas no escritório.
- O teu irmão pediu-me ajuda com umas coisas de marketing para a loja dele. Aproveitei e vim almoçar com ele.
- Ele não me disse nada...
- Porque haveria de dizer? Sentes falta de quando ele tinha de te pedir permissão, é? - disse Laura em tom sarcástico, percebendo que Ayla estava um pouco frustrada por não ter sido convidada para aquele almoço de “negócios familiares”.
- Ah ah ah, que engraçadinha está a dona Laura Man...
- Nem te atrevas a dizê-lo!! - apontou o dedo para Ayla em forma de aviso. - Se quiseres, podes juntar-te. Não é nada demais...
- Estou a brincar... Eu tenho de adiantar o meu trabalho também, não vou conseguir. Divirtam-se no vosso almoço.
- Obrigada. Mas penso que o Júlio ainda não chegou. Vou entrar, ele deve telefonar entretanto, quando chegar.
- Só entras se pedires com jeitinho...
Ayla levantou-se rapidamente dos degraus e entrou na cozinha, fechando a porta, testando a paciência da sua melhor amiga. Laura vira-se para trás e cerra os olhos, imaginando a fuzilar Ayla com a ousadia daquele pedido. Após breves segundos, Ayla abre a porta novamente, espreitando com a cabeça e com um sorriso infantil nos lábios, dizendo:
- Não precisas pedir com jeitinho, sabes que já fazes parte da mobília.
- Tu... Um dia termino esta amizade, juro que sim!
- Impossível. Tu já não consegues viver sem mim...
Laura não respondeu. Sabia que era verdade. Levantou-se dos degraus e entrou. Após atravessar a cozinha, dirigiu-se para a sala e no sofá estendeu-se com um suspiro, fechando os olhos.


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Um simples passeio, um comentário de um verdadeiro amigo, pode-nos ajudar a descongelar ideias enraizadas no nosso perfecionismo. Sim porque também o sou Ayla. E isso, por vezes não é bom na nossa luta diária.
ResponderEliminarMiau...
Verdade, verdade... ^^ O perfeccionismo não ajuda ninguém. Obrigada pela tua partilha!
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